quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

Um caso raro de vingança

Eu sou o maior especialista em gozar com o pênis alheio. Não, nada disso que o senhor ou a senhora estão pensando. Não sou homossexual, nada contra também. Não se trata muito menos de um dom adquirido. Eu, controlar a ejaculação alheia. É que já me acostumei a nem ter vida própria. Vivo através dos outros. Talvez por ser tão bom ouvinte eu tenho algumas pessoas que me tratam como confidente ou eu tenha me revelado um bom ouvinte para que os outros me contasse seus segredos. Não posso ir muito longe de casa. Sexo era muito bom, mas agora estou impedido de fazer. Maldita radiação. As baratas sobrevivem, mas meus culhões e cacete não resistiram. Minhas pernas também. Só a parte posterior de meu corpo não está deformada e inutilizável. Às vezes uso o que me contam para obter vantagens. Aproveitador? Não apenas vivo com o que me restou. Nem sou tão amargo, acho que eu já caminhava para isso antes de... Não interessa nada a meu respeito. Eu ajudava adolescentes desajeitados e outros tantos adultos confusos a conseguirem as melhores conquistas e destruía tudo depois em um piscar de olhos. Durante algum tempo essa foi minha ocupação principal desde que fiquei assim. Muito tempo livre nas mãos dá nisso. Por alguns dos que aconselho chego a nutrir algo que se poderia chamar de afeto, com esses sou mais gentil na hora de arrasá-los. Ninguém espera isso de mim, o que torna tudo mais fácil. Escuto pacientemente os seus desabafos. Finjo me preocupar, dou meus sábios conselhos e vejo tudo ruir posteriormente. As ondas de prazer que percorrem minha mente quando vejo meus planos funcionando é o que mais se aproxima de um orgasmo. Contudo, fui descoberto. Três das pessoas que arrasei agora decidem meu destino na sala ao lado.

O que eu poderia ter feito de tão ruim para formarem a Associação Nós Odiamos..., alguém deve estar se perguntando. Eu respondo.

O primeiro. O cabeça desse pequeno movimento é Andreas J. Ele era gago quando criança. Tratou-se com uma fonoaudióloga. Sua auto-estima aumentou e havia se tornado um profissional bem respeitado, apesar de eu tê-lo induzido a cometer uma série de falcatruas cuja autoria dificilmente seria comprovada. Tolo ganancioso. Assim como não há cura para minha condição peculiar, não existe golpe infalível. Sua bela esposa o deixou, seus amigos se afastaram dele e seu mundo ruiu. Um dos meus melhores trabalhos sórdidos e motivo de orgulho. Sim, porque até alguém desprezível como eu tem orgulho. Acho que até sei o que o impediu de tomar a própria vida, a doce chama da vingança. A mesma que mantenho acesa.

A outra era Felícia G. Uma bela bailarina. Seu corpo perfeito, sempre cobiçado por muitos, já havia sido possuído por mim. Antes de eu ter ficado como fiquei. Bela trepada, elástica, flexível, capaz de realizar peripécias sexuais inacreditáveis e era ninfômana. Informação muito relevante que me ajudou a aniquilá-la. Eu a fiz acreditar que havia contraído a mesma doença miserável que me aflige, a mesma que teria me levado ao estado em que me encontro e que deveria fazer o que eu fiz, comunicar a quem de direito da possível contaminação. Assim ela o fez. Acredito que se possa imaginar o pânico disseminado entre seus parceiros de leito, que não eram poucos.

Por último temos Arnaldo M. Um parvo completo, sua queda foi pouco prazerosa para mim, uma vez que sua idiotia só foi de grande valia para derrotar dois pássaros como uma pedra apenas.

Como os três, sem qualquer relação entre si, se reuniram e chegaram até aqui, elaborando esse plano de vendetta, posso apenas intuir, mas o adiantado da hora não me permite divagar sobre isso. Dentro de instantes espero que eles irrompam por aquela porta e levem a cabo sua vingança. Se conseguirem conduzi-la com perfeição resta o consolo de que tenham elaborado algo cruel e requintado, digno de minha mente. Conhecendo-os como os conheço posso garantir que não será nada agradável, inclusive devem pecar pela falta de originalidade e engenho. Tudo bem. Não me encontro em posição de fazer grandes exigências.

Os três entram no meu cárcere improvisado. O mais imbecil tem uma arma na mão e a aponta na minha direção. Será que não vê que um simples estilingue já me subjugaria com facilidade.

“Vocês sabem como é perigoso um idiota com uma arma mão”, é assim que os provoco.

“Eu vou matar esse lixo filho da puta,” foi a resposta do imbecil.

Felícia poupa minha vida: “Ninguém vai matar esse nojento... ainda.”

“Quer saber o que temos pra você?”

“Nem tenho idéia, Andreas.”

“Tua morte vai ser lenta, muito lenta.”

“Alguém viu filmes de mafiosos demais.”

“Levanta esse porra e coloca na cadeira.”

“Até fala como mafioso,” continuo provocando, nada tenho a perder. Como será que fosse o velho Andréas gaguinho teria dito isso.

Arnaldo atira na minha perna. Nada pior do que um idiota que se dói com ofensas a terceiros. Nem sinto nada, mas vejo o sangue escorrendo. A cor dele não é das mais saudáveis. Preto gangrena. Meu Deus! Eu estou mesmo podre por dentro.

“Abaixa essa arma, seu idiota.” É a ninfomaníaca ordenando. “Quer chamar a atenção da vizinhança. Alguns ainda acham esse escroto um cara legal e inofensivo.”

Ela se aproxima de mim e desfere um direto de direita na minha cara, quase me derrubando da cadeira.

“Assim. Tá vendo? Assim ele sente.”

Não chegou a ser um dor muito forte, o latejar é gostoso.

“O que vocês querem comigo? Eu vou processá-los por tentativa de homicídio e cárcere privado,” digo para eles sem alterar a voz.

“Você não vai processar ninguém. Está aqui pra pagar pela merda que transformou as nossas vidas.”

Agora seria o momento apropriado para fazer o monólogo do arquivilão e dizer como as suas vidas medíocres já estavam seladas antes de me conhecerem e tal. Guardo meu fôlego e minha saliva. Tenho um plano arquitetado na cabeça. Preciso apenas que os dois se matam e o imbecil me tire de dentro dessa casa. Seria impossível eu rastejar até a calçada perdendo sangue. Uma vez do lado de fora posso conseguir ajuda. Quem se recusaria a acreditar num infeliz como eu. Provavelmente seria necessária a intervenção da polícia para impedir o linchamento do parvo.

Meu primeiro intento de torná-los inimigos não funciona. Deixo-os apenas mais enfurecidos. Sei agora o que têm preparado para mim e o plano não inclui acabarem comigo ali mesmo. Eles tratam meu ferimento. Quando ela se abaixa perto de mim, me impulsiono para frente e com uma mordida destruo sua orelha esquerda.

“Larga ela,” grita Andréas e toma o revólver de Arnaldo. Antes de ele disparar, consigo empurrá-la com a cabeça na direção da bala, que entra pelas suas costas e a derruba gemendo no chão. Nossos sangues escorrendo no piso se unem.

“O que você fez?” pergunta Arnaldo. “Mata ele duma vez.”

“Arnaldo, você é um imbecil”, fala Andréas, dando um tiro certeiro na cabeça do lento de pensamento. “Esse me irrita tanto quanto você, velho podre.”

“Eu sou podre, você é podre. A nossa matéria orgânica é assim mesmo, bio-desagradável.”

“Como pode fazer piadas com o destino selado?”, indaga ele e dispara. Não dói muito, acho que isso é morrer, é não ter tempo de encerrar a sentença com um ponto final

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