quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

Cenas de uma guerra de séculos idos

O bombardeio era intenso e o capitão esperava escapar dessa com vida e buscar reagrupar as tropas que se encontravam espalhadas por todo aquele território hostil e desconhecido aos jovens soldados, muitos dos quais mal tinham sido alistados e já foram apresentados ao calor da batalha tendo quase tempo nenhum para treinar.

Os sacos de fenos onde praticavam os ataques com baionetas se revelavam seres humanos que respiravam e como eles, eram filhos, pais ou irmãos de outros seres humanos. No momento eles poderiam e até pensavam nisso, mas a urgência da ação sobrepujava qualquer sentimento que turvasse seus reflexos e manter-se vivo por mais alguns instantes era a única prioridade aceitável.

Para auxiliar a desmotivá-los de tais pensamentos humanistas a lembrança de fatos recentes passavam pelas suas mentes, era impossível esquecer o cenário lúgubre de corpos apodrecendo a céu aberto como a visão mórbida que lhes foi oferecida ao chegarem à entrada da cidadezinha.

O combate corpo-a-corpo é implacável e algo horrendo de se tomar parte, ver o sangue jorrando de feridas recém-abertas tingir os uniformes de rubro-escarlate é bastante diferente de se estar a distanciamento seguro, mirar, atirar e torcer para que aquele tiro tenha sido certeiro e ter neutralizado mais um inimigo obstruindo o caminho da paz.

Os tiros das bocas de fogo disparadas dos navios e da infantaria terrestre do inimigo tinham efeitos desastrosos em vários sentidos: psicologicamente o estrondo de um projétil cruzando o ar era forte o suficiente para fazer até os mais bravos se arrepiarem. O pior de todos, a devastação física ao se ter uma parte da anatomia atingida pela bola de ferro quente que mutilava e despedaçava os corpos de combatentes infortunados, assim como os fragmentos furiosos de quando uma delas explodia no impacto com o chão arrancando pedaços de tudo que se encontra em seu raio de ação.

Nada que pudesse ser lido antes de se enfrentar uma batalha poderia orientar a alma e temperar o espírito. Na verdade confia-se apenas que seu líder saiba o que faz e que os guie ao objetivo com sucesso para que se possa parar por minutos e deixar o corpo fragilizado recuperar o fôlego para mais uma série de enfrentamentos.

Sabiam que estavam lutando contra um exército de homens experientes em matéria de combate, notáveis multiplicadores de mortos na contagem de corpos, veteranos de quantas invasões em locais os mais diversos que os livros de história nem chegariam a catalogar.

Para defender o território foram convocados todos os homens acima de 16 anos que pudessem empunhar uma arma, quer fosse um sabre, um machado, uma lança, um arcabuz ou uma espada, qualquer instrumento que servisse ao nobre propósito de defesa, até que o verdadeiro exército chegasse. Essa milícia foi aniquilada sem exceção e seus corpos ficaram expostos às intempéries, sem sepultura por mais de 2 semanas quando finalmente o reforço tão aguardado chegara todavia atrasado.

Esse exército mesmo bem equipado estava em ligeira desvantagem numérica. As unidades dos invasores dominavam completamente aquelas paragens e estrategicamente bem posicionados ameaçavam estender seus domínios para outras vilas vizinhas, com o mesmo método de ataque e carnificina desenfreada, destruindo mais da metade daquilo que desejavam se apossar.

Esses invasores não compreendiam a língua dos habitantes do lugarejo, assim os clamores e pedidos de clemência para eles não surtiam efeito algum, mesmo que pudessem inferir suas conotações suplicantes.

Somente quando o comandante do exército conclamou a todos que lutassem contra os usurpadores, agregando às suas tropas os homens e meninos das localidades vizinhas é que se pode dar um basta naquele capítulo de quase perda da soberania naquele rincão no litoral sul do país.

Franceses e espanhóis tentaram também de diferentes formas tomar conta daquela região que parecia ter importância somente para os que nela viviam e dela colhiam os frutos que germinavam no fértil solo. Franceses e espanhóis foram também rechaçados de forma igualmente heróica à custa de sangue e coragem inaudita.

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