segunda-feira, 31 de dezembro de 2007

A máquina de Newton

Entrou sorrateiramente, na madrugada, no laboratório de Newton. Sim, o próprio. Soubera que o famoso cientista trabalhava em algo grande que escondia de seus colegas da Real Sociedade. Não imaginava o que poderia ser o volume oculto por baixo de um grande lençol. Um maquinário que nunca tinha visto antes, parecia uma carruagem com grandes alavancas.

Sentou no espaço destinado ao condutor, se fosse aquilo um meio de locomoção. Olhou os mecanismos com curiosidade e não sabia o que fazer. Imóvel daquele jeito não parecia ser de grande serventia para a humanidade. Quando ia descer do aparelho, perdeu o equilíbrio e acabou acionando uma das alavancas.

O cenário científico se transformou, em um clarão, numa paisagem urbana como ele nunca tinha visto. Grandes torres, pessoas com pressa andando em trajes estranhos, carruagens feitas de lata em movimento sem o auxílio de tração animal e nada do verde que caracterizava a sua cidade. Atrapalhando o trânsito estava sua máquina e para evitar ser atingindo pelos veículos que vinham em sua direção, desceu dela.

- Onde estou? perguntou para uma mulher que falava ao celular. Essa nem se dignou a responder. Perguntou para outro sujeito. A resposta o desconcertou. Ocorreu-lhe de perguntar o ano, mas o homem já se afastara. Perguntou para outro transeunte. A resposta o deixou ainda mais chocado.

- Uma máquina do tempo! Era isso!

Sentia sede, precisava de álcool para pôr os pensamentos em ordem. Tinha umas moedas de ouro nos bolsos. Pensou nas possíveis mudanças no sistema financeiro. Foi até uma loja de penhores onde conseguiu dinheiro o bastante para se viver bem por alguns dias.

Percebeu que suas roupas eram diferentes demais das outras pessoas e precisava fazer algo a respeito. Entrou numa loja GAP, comprou jeans, jaqueta de couro e camiseta, diminuindo assim seu estoque monetário. Em seguida se dirigiu até um pub. Sentou ao balcão e o barman trouxe um caneco de cerveja. Experimentou o líquido amarelado e estranhou a temperatura.

- Mas isso está gelado!

- Se preferir te sirvo um mijo bem quente, disse um freqüentador sentado ao seu lado.

- Cale-se, Clyde!, disse o barman.

- Me paga uma, estranho?, indagou uma loira que se sentou do seu lado.

- Certamente que sim, nobre donzela! Qual é o vosso nome?

- Joyce.

Depois de beberem por mais algum tempo, ela se acostumou com o jeito arcaico dele se comunicar. Sugeriu que saíssem de lá. Por idéia dela também foram até sua casa não muito longe dali.

Lá ele teve uma pequena amostra do sexo descompromissado do nosso século e não poderia dizer que não gostou. Considerou incrível a desnecessidade da corte prolongada, de todos os jogos de amor para a obtenção de favores sexuais. Pensou que se tratava de uma prostituta e não se importava com isso. Quando iam recomeçar uma nova rodada erótica, escutaram um barulho na porta do andar de baixo.

- Rápido, você precisa sair daqui!, disse ela, jogando as roupas para ele.

- Devo-te algo pela magnífica tarde de prazeres?

- Seu filho da puta, eu não sou uma vagabunda.

Nisso entrou o marido de Joyce no quarto. Ele correu atrás do visitante de séculos passados.

- Se entendi bem, o senhor gostaria de um duelo para reabilitar sua honra?

- Duelo o teu rabo. Eu vou te matar é agora.

- Pega ele, meu amor! Me chamou de puta!, incentivava a esposa infiel.

Depois de correr como um louco até faltar o fôlego e escapar do marido ultrajado, pensou em algo que ainda não tinha lhe ocorrido, como faria para retornar para casa. A máquina ficara para trás naquela avenida movimentada. Com certa dificuldade conseguiu encontrar o ponto exato aonde chegara ao tempo presente. Descobriu que sua máquina do tempo havia sido confiscada pelo departamento de trânsito.

- E como faço para chegar a tal depósito, senhor?

O dono da banca de revistas explicou-lhe o caminho, o metrô a tomar e que precisaria de dinheiro para reaver aquele trambolho. Chegou no depósito em trinta minutos. Interpelou o guarda na guarita e foi indicado que falasse com o sargento Mulwroney na recepção.

Recebeu desse um formulário para preencher. Quando chegou no campo “data de nascimento”, não se conteve e riu sozinho. Devolveu a papelada preenchida para o sargento e foi informado do valor da multa por ter abandonado a estranha engenhoca. Mesmo sem dinheiro, pediu para ver a máquina do tempo.

- Deixe-me ver se há avarias nela.

- Vá em frente, disse secamente Mulwroney.

Sentou-se atrás dos controles e começou a mexer nas alavancas de forma aleatória. Nada! Nem um blip que o mandasse de volta ao seu tempo.

- Ei, agora saia daí!, ordenou o sargento.

- Apenas mais um instante.

Ele continuou a mexer feito um maníaco nas alavancas e nada ainda acontecia. Para espanto de Mulwroney, o aparelho e seu ocupante desapareceram em uma fração de segundos.

- Tenho de parar de beber!, falou o policial. Podia jurar que...

Assim que parou de esfregar os olhos a máquina reapareceu na sua frente. O viajante do tempo estava de volta ao presente após uma breve estada em um período que não soube precisar qual era.

- Desça já daí!

- É uma máquina do tempo, não vês? Caso não acreditas, senta-te aqui e testemunha com teus próprios olhos!

- Mas com todos os diabos!, praguejou o sargento, puxando o estranho pelas roupas e o algemando contra um carro apreendido estacionado no pátio.

- Máquina do tempo?! Conta essa pro diretor do sanatório, seu lunático, que é pra lá que você vai.

Mesmo com toda a convicção de quem fala a verdade, não conseguiu dar provas de sua sanidade ao psiquiatra que cuidou do seu caso. Afinal quem em sã consciência acreditaria em histórias fantásticas de viagens no tempo? Ficou algum tempo recluso na ala dos mais perigosos.

Ninguém acreditava que o aparelho realmente fizesse o que ele alegava fazer, mas por via das dúvidas uma equipe do serviço secreto ficou encarregada de fazer experimentos. Eureca! Descobriram como controlar aquela complicada geringonça, era possível chegar a uma determinada data com uma margem de erro de seis horas. Logo ele foi reabilitado perante a sociedade.

Participou de dezenas de programas de entrevistas, contratou um empresário. Arriscou-se na carreira musical com um disco que foi sucesso de vendas. No entanto, algo lhe faltava. Tinha saudades de seus contemporâneos, das festas na corte, da caça à raposa, das frondosas macieiras do quintal de Newton.

Transformou todo o saldo de sua conta bancária em ouro em barras e pediu para voltar para o seu ano de origem, no que foi atendido, depois de ter que molhar a mão de alguns sujeitos que controlavam a máquina do tempo.

Reencontrou vários amigos no Marreco Cinza, a taverna que freqüentava e viu que nada mudara desde sua partida. Elwin, o manco, continuava tão coxo como sempre e Godspell, tão fanfarrão como antes. Quis lhes contar os prodígios do mundo moderno. Julgou que não estavam preparados para aquilo, talvez um homem em toda a Inglaterra o compreendesse, mas que não o perdoaria jamais por ter lhe subtraído o que seria sua maior descoberta.

1 comentários:

Lugar Nenhum disse...

hehehe, boa! um humor "fantástico"! muito bem escrito como todos os outros! é sempre uma agradável leitura!!!

um abraço!

rei