segunda-feira, 27 de agosto de 2007

Um caso pegajoso

Um figurão, desses que usam um bigodinho e colecionam dossiês os mais diversos de rivais e amigos, me contratou para grampear um desafeto dele. Eu quase não aceito por uma questão de honra, ética e princípios, só que a vultosa soma em dinheiro oferecida falou mais alto.

Combinamos tudo por telefone, que ironia. Ele não veria minha cara, melhor assim e eu receberia rigorosamente em dia pelo fruto de meu trabalho. Ele me explicou porque resolveu fazer isso, para mim tanto fazia. Eu flutuava por cima dessas questões. Nem era como se o sujeito a ter sua privacidade telefônica violada fosse um santo ou digno de confiança.

Meu maior problema na época era saber se as transcrições seriam em discurso direto ou indireto. Resolvido isso, não imaginava que agora seria impossível atender meu telefone com o receio de que fosse algum membro da imprensa, uma vez que o escândalo havia estourado.

A merda tinha batido no ventilador de verdade. E meu nome apareceu envolvido no noticiário. O majestoso tratou de me tranqüilizar, disse que isso passaria. Para ele sim, que tinha passado incólume por percalços maiores na sua longa carreira política, eu estava interessado em saber o que aconteceria comigo. Geralmente o peixe pequeno é que morre mais cedo.

Passei a ter a ligeira impressão de que era seguido regularmente e que alguém, em algum lugar, lia um relatório de minhas movimentações, inclusive quantas sacudidas deva depois de urinar e qual axila recebia o primeiro spray de desodorante.

Pensei que sofreria um atentado à minha vida, mas acho que no final das contas o frango do Ataíde é que era mortífero para qualquer um que ousasse comê-lo e como não fui o único a reclamar do Ataíde, eximi-o da parte que lhe caberia no complô contra minha cabeça.

Logo quando pensei que a coisa ia acalmar, pois tinha começado a Copa do mundo e o Brasil ainda que vencendo sem convencer tinha boas chances de chegar a final. Um procurador me procura e me diz seu plano para botar cal de vez na sepultura política da velha raposa ladina.

Fiquei de pensar na proposta de ser o herói da história e ele me ameaçou com a Receita Federal e como quem não deve não teme, acabei concordando com o sujeito em tomar parte de sua maquinação.

Como não sou bobo nem nada, contratei um advogado. Perguntei se tinha alguma chance de me dar bem na parada e ele me diz que sim, se sair vivo já é lucro.

Resumo da ópera: ele renunciou, mas foi eleito para mais um mandato, meu advogado se bandeou para o lado dos herdeiros político dele e eu estou aqui em Picadas do Sul, nesse ranchinho de pescador vivendo com o que tiro do mar. A vida é boa, exceto quando bate o vento sul e meu barquinho quase vira com as benditas marolas.

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