segunda-feira, 27 de agosto de 2007

O primeiro caso

Sei lá, talvez isso dê dinheiro, disse para mim mesmo antes de assinar a ficha de inscrição para o curso de detetive. No folheto dizia que aprenderia a seguir as pessoas sem ser notado, fazer escutas telefônicas e todas as coisas que um detetive particular deve saber.

Pensei em tirar um troco fácil dos traídos que povoam essa parte da Terra. Traição passaria a ser meu ganha pão. Descobrir onde maridos ou esposas libidinosos estariam cometendo adultério, flagrá-los, exibir as provas da infidelidade conjugal e descontar o cheque que algum pobre diabo me daria completamente arrasado, ou, na pior das hipóteses, com sede de vingança.

Minha parte no trabalho encerraria nesse ponto. Sem julgamentos, sem apoio moral às “vítimas”. Apenas uma velha frase surrada: “Passar bem”.

Na primeira aula um ex-investigador de polícia se apresentou como professor. O nome dele era Eliezer. Beirava seu 55 anos e estava ficando calvo, passou seu histórico profissional, 20 anos como investigador da polícia civil, alguns casos resolvidos outros arquivados. Atirou em bandidos. Há 5 anos começou a trabalhar por conta própria como detetive particular quase ao mesmo tempo que começou a ministrar as aulas.

A turma. Que bando de loucos. Éramos em 10. Aprendemos a seguir pessoas na rua sem sermos notados, a usarmos alguns aparelhos de escuta telefônica que funcionavam para espanto de alguns. No final do curso cada um recebeu um diploma, habilitando-nos a se embrenhar na profissão de detetive. Eliezer nos desejou sorte.

Qual era o próximo passo? Da mesma forma que havia me matriculado no curso por causa de um anúncio no jornal, resolvi redigir e publicar o meu, oferecendo meus serviços para quem estivesse disposto a pagar. Pensei nos filmes dos anos 40 e achei bacana a idéia de ter um escritório com meu nome na porta de vidro, mas era um luxo desnecessário já que um celular pré-pago resolveria a questão. Uma semana desde que publicaram meu anúncio e nem um telefonema. Começava a achar que havia cometido um grande erro ao depositar grandes esperanças na nova carreira quando toca o telefone

.“Acho que meu marido está me traindo”, disse a bela voz feminina do outro lado da linha, um pouco nervosa, meio envergonhada até.

“Bom, é pra isso que estou aqui. Você precisa me dar todas as informações sobre ele. Para isso me encontre no ..., (uma lanchonete fast food) em uma hora. Acha que consegue chegar lá, sabe onde é?”

“Sei, estou tão revoltada...”

“Me espere no segundo andar, lá a gente vai ter privacidade a essa hora. Acalme-se,” pedi-lhe educadamente.

“A gente trata desse caso em breve.” Pedi que trouxesse fotos atuais do marido.

Encontrei-a no local que combinamos. A mulher chegara uns dez minutos antes. Não era grande coisa como a voz no telefone sugeria. Meio gordinha, alta, loira, de olhos vivos, na casa dos 40 e poucos e usando um camafeu que fora presente de namoro do marido, ela me contou tudo. Na verdade, ela era louca pelo marido, só que a desconfiança estava a corroendo e precisava saber de tudo, mesmo que a verdade fosse de difícil digestão. Para minha sorte ela viu o anúncio, tomou coragem e ligou.

“Não é fácil para eu fazer isso”, ela me disse, “pensei muito a respeito. Cheguei a pensar que se seria bem feito para mim se por acaso ele realmente estivesse tendo um caso com outras mulheres. Tudo por causa de uma desconfiança boba. Sempre confiei nele. Mas desde que descobri uma camisinha meio estranha em suas coisas, passei a notar que ele mudou seu jeito comigo.”

“Que tipo de camisinha é essa?”, perguntei.

“Do tipo importada. Com rugas para maior prazer, pelo menos era isso que estava escrito na caixa.” Ela fez uma breve pausa e continuou “faz tempo que não fazemos, você sabe - estava meio constrangida - sabe, sexo? E nunca nos preocupamos com métodos contraceptivos antes.”

Hum, foi a minha resposta.

“Tudo bem, vamos ver o que dá para descobrir. Preciso dos seus horários, locais que freqüenta e onde fica seu escritório.”

Ela me forneceu essas informações e pensei que se a minha carreira não progredisse, pelo menos poderia vender informações para seqüestradores profissionais. Pensando bem acho que não seria capaz de fazer isso.

O sujeito se chama João Morais, mais conhecido como Morais pelos amigos. Era dono de uma empresa de representação comercial bem sucedida de produtos transgênicos que todos consumiam sem se importar com a saúde. Regra básica número 1: checar a secretária ou mulheres da empresa. Se ela for boa, possivelmente é a terceiro lado do triângulo. Nem sei se essa é uma regra básica, mas vamos lá. Pelo menos faz algum sentido.

Fui na empresa verificar as mulheres que trabalham lá a procura da suspeita. Entrei no prédio de 10 andares que abrigava o escritório da empresa do Morais, que ocupava metade do 6o andar. Já na entrada dei de cara com uma mulher carrancuda na recepção. Essa eu podia quase que imediatamente eliminar do rol de suspeitas.

“Sou do supermercado tal e quero negociar direto com o dono”, ordenei sorrindo à simpática, porém séria recepcionista, no intuito de mostrar que sorrir era algo que não doía.

Ela me pediu um instante, quase esboçando um sorriso, acho que na verdade ela estava querendo fazer uma careta, mas ela aprendera bem, negócios em primeiro lugar, e falou com o dono.

“Seu Morais, tem um senhor aqui na frente que quer tratar de negócios com o senhor, como é seu nome mesmo senhor...”

“Jonas, meu nome é Jonas”, era mentira, mas se tornaria daqui para frente meu nome quando precisasse me apresentar para estranhos.

Falou mais um pouco no telefone e me disse: “Sr. Jonas, por aqui”, por favor, e me guiou até a sala que tinha uma porta se lia Diretor-Executivo em letras pretas. Fui apresentado ao Morais. Não era grande coisa como já pude notar pelas fotos.

“Obrigado, dona Fifi - ou qualquer outro que fosse o nome da mulher que me atendeu - , isso é tudo”, disse ele.

Ela saiu e fechou a porta.

“A que devo sua visita?”

“Estou aqui para negociar um contrato bem rentável”, estava eu dizendo quando fui interrompido pelo telefone.

“Sim, pode passar dona Fifi”, aquela altura eu já havia batizado a recepcionista de Fifi. O homem sentado à minha frente do outro lado da mesa, era gordo, e muito simpático com quem quer que estivesse ao telefone.

“Sim, amor, naturalmente. No Chez Henri.” Ele era assim e sua aparência deixava isso bem claro. Era capaz de ser amável e formal ao mesmo tempo. Pensei que estivesse com a esposa ao telefone, para minha sorte não era. Constatei isso ao me fazer de bobo e perguntei se era a patroa chamando e com sua cara inchada e amável me disse que não. Te peguei, filho da puta. Vai ser mais fácil que eu pensava. Só falta pegar o Morais no pulo e mostrar a prova à sua esposa e descontar um cheque polpudo.

Já estava sentindo o cheiro da grana, a madame concordara com o preço que passei, porém precisava ser muito cuidadoso para não deixar o gordo escapar. Um erro agora e tudo podia ir pelos ares. Aproveitei enquanto estava distraído com a amante no telefone e pensei na desculpa para me mandar de lá sem fechar um contrato e sequer saber a cotação de sua mercadoria.Saí de lá bastante feliz, a sorte que dei provavelmente poderia deixar de me acompanhar no resto do caso.

No local e hora combinados decidi me postar à espera da vítima. Entrei numa pastelaria quase em frente ao restaurante. “Dois de frango catupiri”, pedi ao carinha entediado que atendia. Ele passou por uma cortininha e trouxe os pastéis prontos para fritar. Ele mesmo fritava os pastéis, fazia isso tão automaticamente que se pudesse dirigiria um carro ao mesmo tempo.

Nada do Morais e sua companhia chegando no restaurante, preciso esperar mais mesmo. Cheguei mais cedo para evitar surpresas. De repente o apetite sexual pela esposa pode ter morrido enquanto as outras mulheres podiam estar na mira. Enquanto espero o gordinho traidor e sua amante, me surpreendo imaginando como deve ser essa pessoa. Seria morena, loira, baixinha, alta, uma modelo, uma amiga da esposa que sabe guardar segredo, alguma trouxa muito mais nova que ele que acredita que ele deixaria a esposa, quem sabe? Após muita ponderação conclui como devia ser a amante de Morais. Faltava poucos minutos e poderia tirar as dúvidas, verificar se estive perto ou não com a descrição mental que tinha dela.

15 minutos de espera, eu já estava na terceira lata de refrigerante, quando vejo Morais chegando em um carrão importado. Estava só. Achei completamente normal. Provavelmente queria ser discreto e a pessoa chegaria alguns minutos mais tarde proveniente de outra atividade social, jantariam e quem sabe esticariam até um motel bem longe do centro, dificultando meu trabalho ou contando com a sorte que habitualmente não possuo, os dois rumariam até a casa da amante e fariam o tipo de sexo que os amantes fazem. Isso seria bom.

Menos de 10 minutos descem de um táxi um homem com cara de modelo de comercial de grife famosa, com a barba por fazer bem calculada, e uma garota de seus 23 anos, bem mais nova que Morais, muito bonita, alta e vestida de modo elegante. O sacana tinha bom gosto, esse mérito ninguém teria o direito de tirar dele. Fiquei sabendo que eram eles quando saíram os três juntos, Morais, a moça e o sujeito.

O erro dele foi não atentar para o fato de que um sujeito sem perspectivas como eu, estaria bem perto, quase fungando em seu cangote, e aceitaria investigar sua vida atrás de um possível caso de adultério, para voltar com umas fotos que revelassem sua indiscrição e motivasse um divórcio, mais um entre tantos que acontecem todo ano nas varas de família.

Estaria tão perto, quase sentindo o cheiro dos corpos suados depois da relação que acabaria, possivelmente, com o casamento da madame com o gordinho safado e de bom gosto, e me dei conta que não imaginava que tipo de amante Morais podia ser. Seria ele rápido no gatilho que precisaria umas duas tentativas até satisfazer alguém ou que apesar da aparência pesada, seria alguém leve e melífluo no ato sexual. Parei porque fiquei meio enojado com as imagens mentais.

Os três saíram do restaurante depois de mandarem para dentro uma refeição refinada, cujos pratos eram escritos ora em italiano ora francês. Um empregado do restaurante foi quem me deu a letra, já que o que pedi de adiantamento da pobre chifruda me tornou bem generoso nas gorjetas. Fiquei sabendo que era a terceira vez que os três vinham jantar ali nos últimos 5 meses. É incrível como o dinheiro relaxa o músculo da língua. Esses subalternos não estão nem aí para os endinheirados, por mais que parecesse que o dinheiro compra a fidelidade.

A moça se acomodou no banco de trás e do lado de Morais sentou o modelo. Eles partiram. Tirei algumas fotos e segui os três num táxi. “Não chega muito perto mas não perde eles de vista”, ordenei ao motorista. O carro de Morais pára e deixa a moça em uma esquina de um prédio chique. Tirei fotos dela.

“E agora, que que eu faço?”, perguntou o taxista.

“Continua, que é ele quem eu quero.”

Continuamos na cola do Morais, sem saber onde eles parariam e o que passava na mente dele. Seria ele uma bicha enrustida, dos que casam com mulheres para fazer uma fachada para essa nossa sociedade machista, ainda mais ele que tem uma posição de destaque? Minhas dúvidas se esvaíram no momento que ele deixou o rapaz na frente de uma casa. Eles se demoraram um pouco. Tirei fotos dele. Nada comprometedor.

Sozinho, o carro tocou em direção ao centro. Enfim, descobri a perversão dele ao vê-lo parar no sinal vermelho e ver um travecão alto e pouco vestido se debruçar na porta. Tirei mais fotos. Para meu completo estarrecimento, o motorista do táxi devia estar acostumado, o travecão entrou no carro e eles partiram. Imaginei a cara que a mulher dele fará ao ver isso.

O sinal abriu e segui-os até um motel afastado do centro.

“Quero um quarto perto daqueles dois que entraram há pouco”, pedi ao recepcionista.

Ele me disse o número e dirigimos lentamente até eles. São as suítes mais caras de lá. Dei um tempo lá dentro. Talvez eles estivessem nas preliminares. Resolvi ir até o quarto e com a abordagem mais direta, abrir a porta com a câmera em punho e registrar os dois numa posição comprometedora.

A boneca desengatou de trás do Morais e me perseguiu. Mal consegui fechar a porta, o pezão do traveco me impedindo.

“Me dá essa máquina” e arrancou a câmera da minha mão.

“Tu tá arrochando o gordo, né? Quanto tu vai ganhar nessa?”

Eu não disse nada, fiquei esperando o momento para pegar a máquina de volta.

“Quanto tu tem aí contigo? Eu posso devolver a tua câmera...” No fim das contas com algumas dezenas de reais consegui a prova do crime de volta.

“Isso é tudo que eu tenho, fora o dinheiro do motel”, disse. E o travesti me deixou em paz.

Entrei no táxi e me mandei o quanto antes.No dia seguinte apresentei as fotos íntimas do marido à traída.“Não pode ser!”, exclamou ela desanimada. “A senhora me parece uma boa pessoa, mas infelizmente, dona, no meu dia a dia isso é bem comum. Sinto muito.” Ela me pagou em dinheiro, saí feliz da vida com meu primeiro caso resolvido e com grana no bolso.

Semanas depois, o traveco apareceu com a boca cheia de formiga. Não tenho certeza se foi o Morais que apagou ou se foi a esposa dele. Francamente, isso não é comigo.

1 comentários:

Dora nascimento disse...

Leandróide é seguinte,
Eu gostei muitcho
e a nota é oitcho
(é pra rimar num sabe...)
O conto é muito bom, parabéns.
Adorei a Vanessa e todo o resto - dela - e do Blog.
Achei teu blog bem interessantemente alegre.
Voltarei mais vezes.
Ah, à propósito, vai aparecer aí uma tal de Feiticeira, em letrinhas cor-de-rosa.
Ela jaz... Coitada, Foi incinerada
sem dó nem pena
por um Druída de saco cheio.
Quem diz qualquer coisa tola à toa aqui, soy yo,
Dora.
(escrevo lá no overmundo, gosto de tá botando link não, tá, vai se acostumando comigo, caso eu volte, e eu sei qie vou voltar...)

beijos que eu sou verborrágica.